Em setembro de 2006, um vôo da Gol Linhas Aéreas, que fazia o trajeto Manaus-Brasília, chocou-se no ar com um jato executivo Legacy da Embraer, que havia decolado de São José dos Campos em direção a Manaus. Apesar disto ter ocorrido há quase dois anos, até hoje o ministério da aeronáutica ainda não concluíu o relatório final com as causas do acidente.

No entanto, vários investigadores de diversas instituições governamentais e não-governamentais concordam com um fato: a falha de comunicação entre os pilotos do jato Legacy e da torre de controle contribuiu de forma relevante para que os dois aviões entrassem em rota de colisão.

Acredito que este fatídico acidente possa trazer algumas lições, não só para a melhoria de nosso sistema de controle do espaço aéreo, mas também para a importância de uma comunicação eficiente em diversos aspectos da nossa vida.

Vários estudos já mostraram, por exemplo, que a qualidade da comunicação entre conjugues é positivamente correlacionada a qualidade do casamento, assim como uma boa comunicação entre equipes dentro da empresa aumenta a produtividade dos funcionários e uma maior transparência nos assuntos públicos tende a ser relacionada a menor corrupção e maiores níveis de investimento.

E nas empresas familiares ela também é muito importante, porque pode decidir se dois ou mais membros da família irão “voar” em harmonia ou entrar em rota de colisão, assim como os aviões da GOL e da Embraer.

Normalmente, nas empresas familiares, as falhas de comunicação ocorrem por três grandes motivos.

O primeiro deles é o que eu costumo chamar de confusão de papéis. Todos nós, na vida, temos uma série de “personagens” que interpretamos ao mesmo ao longo da vida: papel de pai ou mãe, amigo ou amiga, filho ou filha, diretor ou diretora, etc. Acontece que, normalmente, desempenhamos estes papéis em ambientes diferentes e com pessoas diferentes, evitando, assim, que façamos confusão na hora de interpretar cada um deles.

Mas nas empresas familiares separar esses papéis torna-se um pouco mais complicado. Por quê? Porque o mesmo “personagem” de chefe que representamos na empresa, acabamos utilizando para nos comunicarmos com um filho. Ou então o inverso. Utilizamos uma roupagem de pai para falarmos com filhos ou sócios dentro da empresa. Sem perceber, acabamos discutindo assuntos de casa na empresa e vice-versa. E isso acaba gerando problemas sérios.

Suponhamos que dois irmãos e seus pais estejam reunidos para decidir o destino dos lucros obtido pela empresa da família em 2006. O irmão A, que está no papel de filho e comprou uma casa de praia, acha que repartir o ganho entre todos é a melhor saída, afinal, ele precisa do dinheiro para pagar sua dívida. Já o irmão B, no personagem de gestor e pensando no crescimento da empresa, prefere reinvestir o capital na compra de novos equipamentos.

Diante do impasse, os pais, assumindo os respectivos papéis de pais e não de gestores, decidem repartir os lucros ao meio e satisfazer a ambas as partes para evitar maiores intrigas.

A atitude mais aconselhável para se evitar o problema seria marcar uma reunião específica para definir como e onde destinar o dinheiro da empresa. Depois, é necessário munir todos os envolvidos com o máximo de informação possível para que todos possam tomar uma decisão mais consciente. Itens como a rentabilidade do investimento que se pretende fazer e quanto cada membro da família possui de dívidas e compromissos pessoais são dados essenciais.

Por fim, deve-se aos presentes que “vistam” a roupa de sócios e tomem uma decisão conjunta. Na seqüência, invertem-se os papéis e todos sugerem soluções, mas “vestindo” a roupa da família. Desta forma, os objetivos de cada um dos membros fica mais claro e uma decisão mais justa é tomada.

O segundo importante fator que pode gerar falhas de comunicação em uma empresa familiar é a interpretação equivocada de linguagens não verbais. Cada família sempre cria seus próprios símbolos de linguagem, formados por anos de convivência entre seus membros. Estes símbolos são muitas vezes olhares, gestos e meias-palavras, que são compreendidos por uns e desconhecidos ou mal compreendidos por outros.

Os familiares que cresceram juntos, num mesmo ambiente, não encontram problemas com esta forma de comunicação não verbal. Mas quando novos integrantes da família, ou mesmo parentes mais distantes, passam a fazer parte do quadro de funcionários ou conselho da empresa, esses códigos podem não ser bem compreendidos e levar a equívocos e desentendimentos.

No caso do acidente, há relatos de que os controladores de vôo tiveram dificuldades de compreender o inglês dos americanos do Legacy. Falar de forma clara, assertiva, e verificar se a mensagem foi corretamente compreendida pelo interlocutor (solicitar feeedback) é a melhor forma de se evitar problemas desta natureza.

O terceiro importante fator que contribui para falhas nas comunicações é a nossa tendência a recorrer aos “achismos”, ao invés de recorrer aos fatos. As pessoas tendem a ter opiniões diferentes a respeito de vários assuntos. Isto é comum e faz parte da natureza humana, pois muitas vezes, essas diferencas de opinião estão relacionadas com nossas crenças e valores individuais.

No entanto, no mundo dos negócios, e dentro das empresas familiares, as diferenças de opinião são, muitas vezes, resultado de assimetrias de informação. Portanto, ter e compartilhar fatos, dados e informações precisas é fundamental para a tomada de decisões, principalmente aquelas relacionadas ao negócio e ao patrimônio tangível da família. Já vivenciei muitos casos onde o destino de milhões de reais era decidido com base no “achismo”, e não necessariamente no interesse comum ou considerando o que era melhor para a empresa ou para o patrimônio da família. É importantíssimo, por exemplo, compartilhar informações sobre rentabilidade e retorno dos produtos e ativos na hora de se decidir a melhor alternativas de investimento ou estratégia. Assim, evitamos levar as discussões para o lado pessoal e ouvir frases como “você sempre corta o orçamento para investir no meu produto”.

Estes três exemplos nos mostram que sucessivas falhas de comunicação podem colocar os membros de uma família em rota de colisão e provocar a queda da empresa. Por outro lado, a boa comunicação pode encurtar rotas, aumentar a eficiência do “avião” empresa familiar e tornar o trabalho de todos os pilotos e controladores mais agradável e menos estressante.

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